terça-feira, 21 de abril de 2009

Paranóia e a Clínica do Real

II Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental

VIII Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental




Psicopatologia e Cultura – setembro de 2006.




Paranóia – A Clínica do Real



Autor: João Ezequiel Grecco



Prosseguindo no que tenho pesquisado, do Mestrado fiz da análise e leitura do sintoma da paranóia articulações na abordagem psicanalítica de Victor Tausk. O aparelho de influenciar aspecto do delírio, salvaguardado das condições defensivas, pode ser explorado na exposição de um caso clínico.
Agora retomo o mesmo tema, isto é, a paranóia buscando as pontuações teóricas interpretativas pertinentes e elaboradas por Freud, e os traços da foraclusão do campo lacaniano, novos rumos aos quais pretendo abordar: a paranóia e a clínica do real.
O que estou propondo neste texto preliminar é uma discussão dos aspectos clínicos que concerne às condições da transferência e da interpretação.
A clínica da psicose, em especial da paranóia, esmera-se em desafios e posições de realce no que tange à postura do manejo das condições do delírio e o lugar que o analista passa a ocupar. Não devemos recusar a essa clínica, dito de Lacan. As condições que proponho a analisar vertem-se de cuidados e certo estado de humor, não só no manejo da transferência, mas nas condições da interpretação.
Para ir ao encontro da minha proposição, tomo como referência os argumentos de Freud em seu texto maior a respeito: o caso Schreber.
Do relato descrito por Freud, existe uma preocupação em estabelecer parâmetros do que faz jus ao que cabe a neurose e paranóia.
Sua investida em analisar o caso Schreber, decorre das descrições que o paciente relata em seu depoimento e das informações do dr. Weber – referente à sua segunda crise paranóica, que culmina com sua crença de ter uma missão de beatitude – isto é, as condições para a interpretação do delírio que é acometido o paciente.
Freud condiciona as manifestações do delírio persecutório do paranóico ao furto de defesas contra as fantasias homossexuais.
O que está em jogo na proposta de Freud na análise do caso Schreber não é só o divisor de água entre a manifestação da neurose e da psicose, mas também o que concerne à figura do masculino. As tentativas de uma intervenção interpretativa do delírio – “Eu não o amo” – “Eu o odeio”, caracteriza-se pela persecutoriedade do sentimento de fantasia vertida na homossexualidade, o que às vezes passa a contar com outras formas de delírio como o da grandeza (megalomania).
A isso posso complementar com Freud:
A proposição “eu (um homem) o amo” é contradita por: delírios de perseguição, pois eles ruidosamente asseveram: Eu não o amo – Eu o odeio.”
Esta contradição, que deve ser enunciada assim no inconsciente, não pode, contudo, tornar-se consciente para um paranóico sob essa forma. O mecanismo de formação de sintomas na paranóia exige que as percepções internas – sentimentos – sejam substituídas por percepções externas. (Freud, 2002, p. 77,78)

As condições para o desencadeamento dos estados psicóticos e em especial a paranóia vinculam-se ao processo evolutivo da libido, na qual as condições da descoberta e escolha do objeto serão de tal ordem para as manifestações da projeção e identificação. Em um primeiro momento, as escolhas recaem no corpo e se alimentam de todo o potencial do prazer que nessa etapa do narcisismo primário cabem. Na oportunidade de mirar em outro objeto amoroso e de prazer, a condição evolutiva da libido interrompe sua jornada, como se abrisse uma fenda, uma situação traumática (Grecco, 2005).
Freud toma esse mesmo caminho diante das condições da evolução da libido, do qual reafirmamos que o trauma inserido nesse estádio da evolução não encontra qualquer veio que possa ser da representação ou do significante; o que estamos dizendo é que o hiato, o vazio, o que não há palavras, irá se constituir em condição de uma mudança na percepção do objeto, já que não é da ordem do recalque o que é que vai valer nesse momento: é a fantasia, a fantasia do delírio da persecutoriedade.
Freud substancia assim o que estamos propondo nesse trabalho:
“Pesquisas recentes dirigiram nossa atenção para um estágio do desenvolvimento da libido, entre o auto-erotismo e o amor objetal. Este estágio recebeu o nome de narcisismo. O que acontece é o seguinte: chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo, em que ele reúne seus instintos sexuais (que até aqui haviam estado empenhados em atividades auto-eroticas), a fim de conseguir um objeto amoroso, e começa por tomar a si próprio seu próprio corpo, como objeto amoroso, sendo apenas subseqüentemente que passa daí para a escolha de outra pessoa que não ele mesmo, como objeto”. (Freud, 2002, p. 75)

Se ocaso Schreber é a divisão de águas para o entendimento e a interpretação do delírio, podemos agora estabelecer que na descrição de Tausk (1990), as condições do processo evolutivo da libido, isto é, da passagem do narcisismo inato ao adquirido, ela faz a descoberta e escolha do objeto. Nessa fase é que os aspectos evolutivos encontram razões de desequilíbrio, impedimentos inatos ou inadequações diante das manifestações das pulsões.
Sendo assim, podemos acrescentar que a proposta de Tausk – máquina de influenciar – determina um delírio de defesa diante da percepção do que esse “fora” é ameaça – fantasias homossexuais – e não pode ser escolhido pela libido, em razão das condições inadequadas do percurso evolutivo da libido, entre descoberta e escolha do objeto.
A máquina de influenciar é uma forma engendrada pelo paciente em delírio, que se vale para a sua construção e suas sensações e percepções de engrenagem, fio elétrico, sentimento de persecutoriedade de pessoas que ele atribui como sendo seus inimigos. O paciente tem a sensação que seu corpo está dividido em partes, não consegue vê-lo por inteiro, tem a sensação que ele cheira mal.
Podemos relacionar esses dados com o caso Schreber, sua persecutoriedade passa pelo corpo e é ele que está putrefato, as víceras estão à mostra.
Agora seu médico psiquiatra, dr. Flechsig, reúne o que tem de pior em uma criatura. Schreber o abomina, antes havia uma idolatria – seu médico está no delírio, era uma forma de protegê-lo –, agora é percebido fora, e reveste-o como uma ameaça. Seu delírio passa a ser do místico uma salvalgarda dos impulsos homossexuais – “Eu não o amo” – “Eu o odeio”.
As condições da paranóia para a psicanálise têm dois momentos: Freud, no caso Schreber, e Lacan, no caso Aimée.
Se a histeria foi o início das articulações psicanalíticas do inconsciente, a paranóia foi a porta de entrada da psicanálise para Lacan.
É no advento do campo lacaniano que a psicose é vista não como demência, mas o que se chama de loucura.
O que Lacan nos oferece é a visão outra do que chamamos manifestações paranóicas. Em primeiro lugar, a diferença da estrutura ou da manifestação elementar que se aproxima de uma paranóia.
Dentro do que estou propondo com relação às condições da transferência e interpretação, cabe salientar que a condição da estrutura é fundamental estar esclarecida, visto que em outras situações podem haver simulações de caráter paranóico e que não fazem parte da estrutura psicótica.
Se a condição da exigência da estrutura for atendida para a praxi clínica, Lacan condiciona que o saber é inconsciente.
Podemos argüir de que é esse saber, visto que o que está em questão são as relações entre o simbólico e o imaginário, sendo o ato no real a única saída que o paranóico encontra, isto é, fazer acting-out.
Lacan esclarece:
“As questões que se colocam passam em revista exatamente as categorias eficazes no nosso campo operatório”.
É clássico dizer que, na psicose, o inconsciente está à superfície, é consciente. Por isso mesmo não parece que isso tenha grande efeito em ser articulado. Nessa perspectiva, bastante instrutiva em sim mesma, pode observar de saída que não é pura e simplesmente, como Freud sempre sublinhou, desse traço negativo de ser um Unbewsst, um não-consciente, que o inconsciente guarda sua eficácia.” ( Lacan , p. 20)
Do que foi exposto até aqui permite, sim, articular a proposição que cabe: a transferência e a interpretação.
A principal característica da produção discursiva dos psicóticos foi teorizada por Lacan, que a chamou de “hológrase da cadeira significante”, ou seja, que na psicose os significantes não formam cadeia. (Leite, 2000).
Essas razões impossibilitam ao paranóico uma posição diante do analista, isto é, lugar – suposto saber.
A causa da psicose dever-se-ia a um acidente – que vou chamar de “trauma” (Grecco, 2005) – ocorrido na estruturação do Complexo de Édipo, o qual, na opinião de Lacan, seria a ausência do Nome-do-Pai (Leite, 2000).
Se o lugar do analista no paranóico fica condicionado à estrutura delirante, o sentido que o paciente articula se volta contra ele, tornando a relação de proximidade e vinculação entre o analista e o paciente vulnerável, visto que sua forma fantasista pode ser um delírio persecutório e ameaçador, e deve ser evitado.
Se as condições transferências esbarram no lugar do suposto saber em que estaria colocado o analista, como razão sintomática, no paranóico isso passa ao largo, sem dimensão para articular ou possibilitar o que deveria ser do manejo analítico.
O que dizer da interpretação nesse caso? Fico com a expressão de Lacan em que o que se deve interpretar não são os ditos de um paciente, mas, sim, o seu dizer.
A condição de um dizer interpretativo vincularia ao que poderíamos produzir na pontuação, no corte, pela condição da alusão, ou do equívoco, e pelo enigma.
Finalizando, posso concluir que a clínica da psicose, em especial da paranóia, confronta-se com o conceito que esclarece. A foraclusão ( Rabinovitch, 2001) é o nome da fratura do estar fora, esse fora que inclui o psicanalista que tem a pretensão de fazer a escuta e não fugir da clínica da psicose.









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Bibliografia

Freud, S. “ O Caso Schreber – Notas Psicanalíticas de um Relato Autobriográfico de um Caso de Paranóia (Dementia Paranoides), Imago Editora, RJ, 2002.
Lacan, J. “ Seminário 3 – As Psicoses “, Jorge Zahar Editores, RJ, 1988.
Leite, M.P.S. “ Psicanálise Lacaniana – Cinco seminários para analistas kleinianos”, Editora Iluiminuras, S.P., 2000.
Grecco, J.E. “ A Paranóia e o Aparelho de Influenciar”, - Dissertação de Mestrado, PUC, SP, 2005.
Rabinovitch, S. “ A Foraclusão”, Jorge Zahar Editores, RJ., 2001.

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